Texto da exposição DIAS DE GUERRA NOITES DE AMOR – Casa Peirô

         Um encontro, uma descoberta, um vasto movimento de greve, um tremor de terra: todo acontecimento produz uma verdade, ao alterar a nossa maneira de estar no mundo. Inversamente, uma constatação a qual ficamos indiferentes, que não nos modifica, que não nos compromete, ainda não merece o nome de verdade.

       Existe em cada gesto, em cada prática, em cada relação, em cada situação, uma verdade subjacente. O hábito é o de iludir, de administrar, o que produz a desorientação característica desta época. Na realidade, tudo se relaciona com tudo. A impressão de viver numa mentira ainda é uma verdade. Trata-se de não largá-la, de partir daí mesmo.

       Uma verdade não é uma visão de mundo, mas o que nos mantém ligados a ele de forma irredutível. Uma verdade não é algo que se detenha, mas algo que nos move. Ela faz e desfaz-me, ela constitui-me destitui-me como indivíduo, ela afasta-me de muita coisa e torna-me parecido com aqueles que a experimentam. O ser isolado que a ela se agarra encontra fatalmente alguns dos seus semelhantes.

Produzir verdades é um ato de coragem. A parresía necessária para intrometer.

      A intromissão é o que faz a obra. Podem ser pessoas – para umx filósofx, artistas ou cientistas; para umx cientista, filósofxs ou artistas – mas também coisas, objetos, plantas ou até animais como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar nossas próprias Intromissões. É uma série. Se não formarmos uma série, mesmo que completamente imaginária, estamos perdidxs. Junta aqui, junta ali. Até que uma intromissão possa no seio do comum, produzir uma áspera verdade vagueante pelas ruas a fabular um povo por vir.

    Dias de Guerra Noites de Amor, é reunião dxs bandidxs pegos em flagrante delito de fabulação. Se formando assim, a um, a dois, ou em vários, um discurso de minoria (da arte?). Pegar xs intrometidxs em pleno crime de fabulação artística (política?) é também captar o movimento de constituição de um povo. De certa maneira, o povo é o que falta.

Porto Alegre, 10 de Maio de 2016

*Texto escrito para exposição DIAS DE GUERRA NOITES DE AMOR da Casa Peirô/abertura do espaço expositivo Nêga Lú