Positivismo de Plataformas

A internet como espaço de expressão individual de algum tipo de convivência coletiva colapsa assim como a democracia representativa em 2020. Nada mais resta a ser feito na internet agora que as plataformas dominaram o ciberespaço como extensão do empreendedorismo de si. A morte da política tem a ver principalmente por termos desejado que as plataformas tomassem as dimensões gerais de nossas vidas. Tanto é que o SUS pode desaparecer sem problema algum, desde que continuemos podendo pagar comida pelo Ifood ou pedir um UBER por cinco reais, mesmo sabendo que isso não paga nem metade do caminho percorrido. É o ciberespaço como investimento de desejo da humanidade que desfaz as políticas públicas, o Estado, e tudo o que ele ainda manuseia como gestão da própria cidade. 

No ápice do Facebook no Brasil era possível que abaixo das postagens desenvolvêssemos um fórum de discussão quando essa era alguma polêmica, e então o tribunal da opinião e exposição deliberada de qualquer um funcionava ali mesmo. Agora com o sucesso do Instagram, e o flop do Facebook, os seus usuários, na maioria jovens, os que sustentam cognitivamente o furor das plataformas, são obrigados a desenvolver maneiras de inflamar esses espaços do ciberego apenas com a imagem, no caso uma foto que sintetize uma expressão de “si mesmo”. Somos esses jovens, trabalhadores que prestam “de graça” um serviço em troca da busca de imediatismo serotoninanado, e que depositamos nossos dados-afetos para a algoritimização e aperfeiçoamento das plataformas. Não é apenas a simplificação das emoções que estão em jogo no uso de emojis, mas também o fato de que ceder dados se transformam em uma espécie de obrigação, ou seja, de presença cotidiana e constante nas plataformas. 

Mas esse modelo de ciberespaço focado nas imagens fizeram do empreendedorismo de si uma exigência normalizada na internet. É o sucesso de poucos nesse espaço, que faz do capital especulativo sobre o modelo de suspensão do Estado, o horizonte de devir para os próximos anos. Eles não estão nem aí pra avaliar se ele modelo serve ou não. 

O Instagram hoje se parece muito com o Linkedin, pois a maioria de seus usuários usa o feed como se estivessem em busca de um ótimo emprego, esperando a recompensa pela melhor foto publicada, uma recompensa que nunca chegará. Os universitários mostram o que consomem em teoria, os artistas mostram sua intimidade. Quando todos nós agora nos vemos como possíveis influencers, é porque rompemos a separação entre valor monetário e vida. 

Toda essa demonstração é compreensível quando a questão são vendas, mas o sucesso do Instagram é a promoção de um estado de venda total da vida até mesmo para aquelas pessoas que nada tem para vender. Pois dependendo da foto que se posta, você é recompensado socialmente como se algo muito valioso tivesse sido comercializado. E nesse sentido não refiro apenas a padrões de beleza, mas a qualquer coisa, a mais estranha delas, pode ser monetizada pelas plataformas. Todos podem se passar por vendedores de sua imagem pessoal, do mais pobre ao mais rico, do mais bizarro, ao mais confortável aos olhos. É justamente esse estado de venda total que tornou o ciberespaço um lugar que substituirá o Estado em breve. 

Alguém sofreu uma violência racista ou homofóbica? “Faremos justiça aumentando seus números de seguidores!” Alguém sofreu assédio moral em alguma circunstância? “Resolvemos isso recorrendo às redes sociais!” 

Mas se as redes tornaram-se o espaço por excelência do intelecto geral, a informação enquanto produção imediata das redes técnicas como pensava Marx e Guattari, elas são a transposição dos restos do pior da função-sociedade em separação do Estado. Por isso a internet é o tribunal de opiniões, ofensas e violências psicológicas, tanto da esquerda politicamente correta, como da direita ou da extrema direita reacionária. É na ausência de algo maior a quem devemos responder que buscamos na liberdade infinita do ciberespaço exercer o julgamento e o cancelamento de alguém como maneiras fazer “justiça”, ou usar do anonimato para ofender e discriminar pessoas. Nesse, sentido as plataformas manuseiam o desmoronamento estrutural projetando essa “sensação de liberdade” na internet como a porta de entrada no mundo que o cibercapitalismo está gestando. 

“Denuncie as fotos que você não gostou, as que mostram violência ou nudez !” Ou seja, faça a gestão do ciberespaço, literalmente trabalhe para o Instagram melhorar o mundo. Mas agora que o ciberespaço é o lugar da vida em eterna produção de dados informacionais para o capitalismo de plataformas a sensação de trabalho é generalizada nas redes enquanto produção de imagem de si. Empresário, ativista, feminista, lgbtqi+, sexualmente instável, ativamente amoroso, negro, branco, intelectual, rico, pobre, tudo é possível de ser abstraído na tela do smartphone para monetização.


   Agora que a sociedade vive o seu ápice de otimismo cruel e felicidade pública pelas redes sociais, o que resta para o pensamento crítico? Afinal, quando estamos trabalhando em um empresa, a ordem é: mantenha a calma, e evite desavenças. E agora que o projeto de democratização da internet resultou apenas em impor goela abaixo qualquer informação sobre o outro como regra de convivência? Agora que o bom senso é uma espécie de ditadura libidinal  onde o politicamente correto molda a subjetividade a níveis de um positivismo augustecomteano que expele qualquer conflito, como existir quando ainda era o conflito de ideias que fazia alguma coisa caminhar?